O e-mail foi brusco: Mark Zuckerberg não tinha interesse em bancar o bonzinho com o vizinho dele.
“Como fazemos para resolver isso?”, escreveu um assessor de Zuckerberg para o corretor de imóveis dele. “MZ não vai se reunir com ele... nunca”.
Agora, aquele e-mail de 2013 e outros do estilo estão no centro de uma guerra imobiliária que se descontrolou. De um lado está Zuckerberg, o bilionário fundador do Facebook Inc. Do outro, o empresário vizinho, um desenvolvedor de imóveis que esperava lucrar com o desejo de privacidade de Zuckerberg.
Não se trata de decidir quem poda a árvore da cerca do quintal. A história contada pelos documentos do tribunal mostra como a elite poderosa do Vale do Silício afasta aqueles que tentam forçar a entrada nesse clube e compartilhar a riqueza.
No cerne, há temas que acompanham Zuckerberg desde a concepção do Facebook e que se popularizaram com o filme “A Rede Social”, uma visão ficcional do menino-homem com capuz por trás da empresa: táticas de soco-inglês, atuações exibicionistas, cheiro de traição. Mas, dessa vez, o rebuliço gira em torno de um terreno, em uma subdivisão do Norte da Califórnia que já foi comum.
Os gêmeos Winklevoss já alegaram que Zuckerberg, ex-colega de sala e sócio deles, não cumpriu sua promessa. O desenvolvedor neste caso, Mircea Voskerician, também afirma que Zuckerberg não cumpriu sua palavra. Os advogados de Zuckerberg dizem que isso é bobagem – e que Voskerician só está tentando ganhar dinheiro às custas de um bilionário.
‘Bom vizinho’
Os fatos, em poucas palavras, são esses:
Em novembro de 2012, Voskerician estava em um contrato para comprar a propriedade que fica atrás da casa de Zuckerberg em Palo Alto, Califórnia. Ele mandou uma carta para o CEO do Facebook, na que disse que pretendia demolir a casa e construir no lugar uma de 892 metros quadrados. Ela teria vista para o fundo da residência de Zuckerberg, inclusive para o quarto principal.
Só que então Voskerician fez uma oferta incomum. Afirmando ser um “bom vizinho”, ele propôs vender a Zuckerberg uma parte da propriedade com “um prêmio de 100 por cento” para que ele tenha mais privacidade. Duas semanas depois, eles decidiram que Zuckerberg compraria o imóvel inteiro, por um preço que Voskerician considerou um desconto exorbitante.
Por que Voskerician faria isso? É esse o motivo da discórdia. Voskerician, nos documentos judiciais, diz que Zuckerberg prometeu lhe apresentar a seus contatos no Vale do Silício, um apoio valioso para qualquer pessoa. Nada foi registrado por escrito.
Os advogados de Zuckerberg negam essa e todas as alegações de Voskerician. Qualquer que seja o caso, o desenvolvedor processou e, a menos que os dois lados cheguem a um acordo, o caso irá para o tribunal. Se Voskerician ganhar, ele poderia recuperar o imóvel.
Táticas ‘extorsivas’
Os advogados de Zuckerberg, em documentos jurídicos, dizem que o desenvolvedor valeu-se de táticas ‘extorsivas’. Eles citaram um e-mail que Voskerician enviou a seu corretor de imóveis no dia 28 de novembro de 2012, em que ele insinuava que o diretor do Facebook tinha uma oportunidade para comprar certa privacidade.
Se “Mark pretende morar aqui por muito tempo”, escreveu Voskerician, ele tem “uma chance de garantir que a privacidade dele fique onde ele deseja que ela fique”. Ele acrescenta que a nova casa seria construída “com vista para o quintal/quarto principal dele”.
O advogado de Voskerician afirma que seu cliente não estava tentando pressionar ninguém.
Os e-mails de Voskerician demonstram o quanto ele queria obter acesso aos exclusivos domínios de Zuckerberg.
Em um e-mail enviado no dia 13 de abril de 2013 para Zuckerberg, Voskerician pedia para selar o acordo com um “aperto de mãos” e começar as apresentações.
“Sr. Zuckerberg, em primeiro lugar, estou feliz por ter conseguido preservar sua privacidade ao vender-lhe o imóvel de Hamilton”, escreveu o romeno Voskerician. “Em segundo lugar, gostaria que nos encontremos para dar-nos um aperto de mãos pela transação e conversar sobre sua proposta de que eu trabalhe com você no futuro, pois você afirmou que construiu o Facebook a partir das conexões que você tem no Vale do Silício. Uma das razões que me levaram a escolher sua oferta, além de preservar sua privacidade, é que você se ofereceu a me ajudar a levar minhas casas, meus projetos de desenvolvimento, aos funcionários do Facebook e criar uma relação com você”.
Moradias sustentáveis
Voskerician também pediu uma reunião de 30 minutos para conversar sobre um projeto que envolvia “moradias sociais sustentáveis baseadas em ciência moderna” a partir de um modelo de “código aberto” semelhante à “plataforma aberta de informática” do Facebook.
E-mails indicam que a equipe de Zuckerberg não tinha nenhum interesse.
Divesh Makan, assessor financeiro de Zuckerberg, disse ao corretor imobiliário do CEO que dificilmente Zuckerberg se encontraria com Voskerician.
“Mas se isso significa que eu tenha que perder 30 minutos em nome de MZ, eu não teria mais remédio do que fazê-lo se você recomendar isso”, escreveu ele em um e-mail de abril de 2013.
Voskerician continuou insistindo, em vão. Em novembro de 2013, os funcionários do Facebook estavam começando a se preocupar com que ele gerasse problemas. Andrea Besmehn, assistente de Zuckerberg, informou o diretor de proteção executive da empresa caso o impasse “escalasse do ponto de vista da segurança ou de RP”.
‘Leve’ ajuda
Besmehn enviou um e-mail mais tarde naquele dia que pode provocar uma reviravolta no caso:
“Acabei de conversar rapidamente com Mark sobre esse assunto – e ele disse que se lembra de ter dito que ajudaria esse cara de ‘leve’”, escreveu Besmehn para Makan e outras pessoas. “Há algum modo, quando conversarmos com ele, de encontrar uma forma de que nós (não necessariamente Mark) ajudemos ele com algo pequeno? Aliás... teremos que ter cuidado com isso, porque não queremos dar a mão para que depois nos peçam o braço...”.
O advogado de Voskerician, David Draper, não quis comentar a queixa, que inclui acusações de fraude, violação de contrato e deturpação. Zuckerberg negou todas as acusações em um documento jurídico em outubro. O advogado dele, Patrick Gunn, e o advogado de Makan, Daniel Bergeson, não quiseram comentar o caso.
Independentemente de como o caso se resolva, é improvável que a privacidade de Zuckerberg seja ameaçada por outros vizinhos graças a Makan, ex-executivo do Goldman Sachs Group Inc. e do Morgan Stanley que descreveu sua equipe como “a family office de Mark”.
Como Voskerician estava pressionando por suas exigências de modo mais insistente, a empresa de Makan, a Iconiq Capital LLC, arrebatou outros imóveis ao redor da casa de Zuckerberg: comprou um por US$ 10,5 milhões, outro por US$ 14 milhões e um terceiro por US$ 14,5 milhões, de acordo com o escritório do consultor fiscal do condado de Santa Clara. Esses preços excedem o valor cotado dos imóveis, que em 2013 era de US$ 3,5 milhões ao todo.